segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Pequena Sereia





Muito longe da terra, onde o mar é muito azul, vivia o povo do mar. O rei desse povo tinha seis filhas, todas muito bonitas, e donas das vozes mais belas de todo o mar, porém a mais moça se destacava, com sua pele fina e delicada como uma pétala de rosa e os olhos azuis como o mar. Como as irmãs, não tinha pés mas sim uma cauda de peixe. Ela era uma sereia.
Essa princesinha era a mais interessada nas histórias sobre o mundo de cima, e desejava poder ir à superfície; queria saber tudo sobre os navios, as cidades, as pessoas e os animais.
— Quando você tiver quinze anos — dizia a avó — subirá à superfície e poderá se sentar nos rochedos para ver o luar, os navios, as cidades e as florestas.
Os anos se passaram...
Quando a princesinha completou quinze anos mal pôde acreditar. Subiu até a superfície e viu o céu, o sol, as nuvens... Viu também um navio e ficou muito curiosa. Foi nadando até se aproximar da grande embarcação. Avistou, através dos vidros das vigias, passageiros ricamente trajados. O mais belo de todos era um jovem príncipe e a pequena sereia se apaixonou por ele.
A sereiazinha ficou horas admirando seu príncipe, e só despertou de seu devaneio quando o navio foi pego de surpresa por uma tempestade e começou a tombar. A menina viu o príncipe cair no mar e afundar, e se lembrou de que os homens não conseguem viver dentro da água. Mergulhou na sua direção e o pegou já desmaiado, levando-o para uma praia.
Ao amanhecer, o príncipe continuava desacordado. A pequena sereia, vendo que um grupo de moças se aproximava, escondeu-se atrás das pedras, ocultando o rosto entre os flocos de espuma.
As moças viram o náufrago deitado na areia e foram buscar ajuda. Quando finalmente acordou, o príncipe não sabia como havia chegado àquela praia, e tampouco fazia idéia de quem o havia salvado do naufrágio. Olhou para as pessoas à sua volta. Uma delas era uma moça tão linda que o príncipe se apaixonou por ela.
A princesa sereia voltou para o castelo muito triste e calada, e não respondia às perguntas de suas irmãs sobre sua primeira visita à superfície.
A sereiazinha voltou várias vezes à praia onde tinha deixado o príncipe, mas ele nunca aparecia por lá, o que a deixava ainda mais triste. Suas irmãs estavam muito preocupadas, e fizeram tantas perguntas que ela acabou contando o que havia acontecido.
Uma das amigas de uma das princesas conhecia o príncipe e sabia onde ele morava. A pequena sereia se encheu de alegria, e ia nadar todos os dias na praia em que ficava seu palácio. Observava seu amado de longe e cada vez mais gostava dos seres humanos, desejando ardentemente viver entre eles.
Muito curiosa para conhecer melhor os humanos, perguntou à sua avó se eles também morriam.
— Sim, morrem como nós, e vivem menos. Nós podemos viver trezentos anos, e quando “desaparecemos” somos transformadas em espuma. Nossa alma não é imortal. Já os humanos têm uma alma que vive eternamente.
— Eu daria tudo para ter a alma imortal como os humanos! — suspirou a sereiazinha.
— Se um homem vier a amar você profundamente, se ele concentrar em você todos os seus pensamentos e todo o seu amor, e se deixar que um sacerdote ponha a sua mão direita na dele, prometendo ser fiel nesta vida e na eternidade, então a alma dele se transferirá para o seu corpo. Ele dará a você uma alma, sem perder a dele... Mas isso jamais acontecerá! A sua cauda de peixe, que para nós é um símbolo de beleza, é considerada uma deformidade na terra.
A sereiazinha suspirou, olhando tristemente para a sua cauda de peixe e desejando ter um par de pernas em seu lugar. Mas a menina não esquecia a idéia de ter uma alma imortal e resolveu procurar a bruxa do mar, famosa por transformar sonhos de jovens sereias em realidade... desde que elas pagassem um preço por isso.
O lugar onde a bruxa do mar morava era assustador, e a princesa precisou de muita coragem para chegar lá. A bruxa já a esperava, e foi logo dizendo:
— Já sei o que você quer. É uma loucura querer ter pernas, isso trará muita infelicidade a você! Mesmo assim vou preparar uma poção, mas essa transformação será dolorosa. Cada passo que você der será como se estivesse pisando em facas afiadas, e a dor a fará pensar que seus pés foram dilacerados. Você está disposta a suportar tamanho sofrimento?
— Sim, estou pronta! — disse a pequena sereia, pensando no príncipe e na sua alma imortal.
— Pense bem, menina. Depois de tomar a poção você nunca mais poderá voltar à forma de sereia... E se o seu príncipe se casar com outra você não terá uma alma imortal e morrerá no dia seguinte ao casamento dele.
A sereiazinha assentiu com a cabeça e, sem dizer uma palavra, ficou observando a bruxa fazer a poção.
— Pronto, aqui está ela... Mas antes de entregá-la a você, aviso que meu preço por este trabalho é alto: quero a sua linda voz como pagamento. Você nunca mais poderá falar ou cantar...
A princesa sereia quase desistiu, mas pensou no seu príncipe e pegou a poção que a bruxa lhe estendia. Não quis voltar para o palácio, pois não poderia falar com suas irmãs, sua avó e seu pai. Olhou de longe o palácio onde nasceu e cresceu, soltou um beijo na sua direção e nadou para a praia.
Assim que bebeu a poção, sentiu como se uma espada lhe atravessasse o corpo e desmaiou. Acordou com o príncipe observando-a. Ele a tomou docemente pela mão e a conduziu ao seu palácio. Como a bruxa havia dito, a cada passo que a menina dava sentia como se estivesse pisando sobre lâminas afiadíssimas, mas suportava tudo com alegria pois finalmente estava ao lado de seu amado príncipe.
Ele estava encantado com a beleza da moça, e ela passou a acompanhá-lo em todos os lugares. À noite, dançava para ele, e seus olhos se enchiam de lágrimas, tamanha dor sentia nos pés. Quem a visse dançando ficava hipnotizado com sua graça e leveza, e acreditava que suas lágrimas eram de emoção.
O príncipe, no entanto, não pensava em se casar com ela, pois ainda tinha esperança de encontrar a linda moça que ele vira na praia, após o naufrágio, e por quem se apaixonara sem saber quem era.
Todas as noites a princesinha ia refrescar os pés na água do mar. Nessas horas, suas irmãs se aproximavam da praia para matar a saudade da caçulinha. Sua avó e seu pai, o rei dos mares, também
apareciam para vê-la, mesmo que de longe.
A família do príncipe queria que ele se casasse com a filha do rei vizinho, e organizou uma viagem para apresentá-los. O príncipe, a sereiazinha e um numeroso séquito seguiram em viagem para o reino vizinho.
Quando o príncipe viu a princesa, não se conteve:
— Foi você que eu vi na praia! Foi você que me salvou! Finalmente encontrei você, minha amada!
A princesa era realmente a moça que o príncipe viu naquela praia ao acordar, mas o rapaz não sabia que a pequena sereia o havia salvo. Para tristeza da sereiazinha, a princesa também se apaixonara pelo príncipe e os dois marcaram o casamento para o dia seguinte. Todo o sacrifício da pequena sereia havia sido em vão.
Depois do casamento, os noivos e a comitiva voltaram de navio para o palácio do príncipe, e a sereiazinha ficou observando o amanhecer, esperando o primeiro raio de sol que deveria matá-la.
Viu então suas irmãs, pálidas e sem a longa cabeleira, nadando ao lado do navio. Em suas mãos brilhava um objeto.
— Nós entregamos nossos cabelos para a bruxa do mar em troca desta faca. Você deve enterrá-la no coração do príncipe. Só assim poderá voltar a ser uma sereia novamente e escapará da morte. Corra, você deve matá-lo antes do nascer do sol.
A pequena sereia pegou a faca e foi até o quarto do príncipe. Mas, ao vê-lo dormir, não teve coragem de matá-lo. Caminhou lentamente até a murada do navio, mergulhou no mar azul e, ao confundir-se com as ondas, sentiu que seu corpo ia se diluindo em espuma.
Autor: Andersen


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