A Montanha de Cristal
conto norueguês
Era uma vez um homem que tinha uma mata na montanha,
mas não conseguia fazer uma reserva de feno porque cada ano, na noite de São
João, toda a grama sumia misteriosamente, como se um rebanho inteiro tivesse
passado por lá. Finalmente, o homem perdeu a paciência e mandou o mais velho
dos seus três filhos passar a noite na choupana que ali tinha
e vigiar.
O
filho mais velho jurou que ia vigiar tão bem que nem homem nem demônio
conseguiriam roubar a grama! Deitou no chão da choupana e logo adormeceu. De
repente, a meia-noite, poderosos estrondos fizeram tremer chão, paredes e teto.
O moço ficou tão apavorado que saiu correndo, sem olhar para trás. E, na manhã
seguinte, toda a grama tinha sumido, como sempre. No ano seguinte, o homem
mandou o filho do meio. E aconteceu tudo novamente.
Quando
chegou mais uma vez a noite de São João, mandaram o filho mais novo,
Askeladden, que só sabia ficar deitado nas cinzas da lareira e sonhar. Os
irmãos caçoaram dele:
-
Logo você que não sabe fazer nada vai tomar conta da mata!
Mas
ele não se importou com o que disseram e foi. Quando começou o barulho, ele
pensou: “Se não piorar, acho que dá para aguentar.” Assim que tudo ficou calmo,
ele saiu da choupana e deparou com o cavalo mais belo que jamais tinha visto,
um alazão arreado de cobre reluzente, carregando uma armadura de cavalheiro
feita de cobre também. Estava pastando com vontade. O moço se aproximou,
falou-lhe ao ouvido até o cavalo o deixar montar nas suas costas. Askeladden o
levou então até uma pradaria escondida nas montanhas, um lugar especial que só
ele conhecia e onde o deixou.
Em
casa foi acolhido com zombaria, mas disse com tranquilidade:
-
Dormi até o sol nascer. Não escutei nada e não faço a mínima idéia do que pode
ter amedrontado vocês.
Os
irmãos se apressaram a subir na montanha mas, ao chagar na mata, ficaram
espantados: a grama estava densa e alta como devia estar. Não entenderam nada.
No ano seguinte, recusaram-se a ficar lá. Apenas Askeladden aceitou passar
outra noite de São João na montanha. Aconteceu tudo de novo, só que os
estrondos ficaram duas vezes mais poderosos. E quando tudo se acalmou,
Askeladden avistou um cavalo mais belo ainda que o alazão, um baio arreado de
prata, carregando uma armadura de prata rutilante. De novo, Askeladden
conseguiu que o cavalo o deixasse montar e o levou para seu lugar secreto.
Na
noite de São João seguinte, depois de ouvir estrondos mais poderosos ainda,
quando tudo ficou calmo, Askeladden levou um maravilhoso cavalo negro, arreado
de ouro e carregando uma armadura de ouro resplandecente, para o mesmo lugar.
Naquele
ano, um edito real foi proclamado em todo o reino. O rei tinha uma filha,
famosa pela sua beleza, e queria casá-la. Mas ela estava sentada com três maçãs
de ouro no alto da Montanha de Cristal, cujas paredes verticais eram
absolutamente lisas. Ao cavaleiro que buscasse as três maçãs de ouro, o rei
prometia a sua filha em casamento assim como a metade de seu reino.
No
dia marcado, uma multidão se reuniu ao pé da montanha pra ver o espetáculo.
Príncipes e cavalheiros brilhantemente vestidos e montados tinham chegado de
longe para tentar a sua sorte. Os irmãos de Askeladden também foram ver, mas se
recusaram a levá-lo:
-
Você é tão feio e sujo que todos vão rir de sua cara.
- Não
tem problema, não estava a fim de ir mesmo.
Quando
os cavaleiros começaram a subir na montanha, os cascos de seus cavalos
escorregaram na parede que parecia um espelho. Tentaram horas a fio. Por fim
todos estavam exaustos, os animais espumando e cobertos de suor, e nenhum
tinham conseguido subir nem um metro.
O rei
já ia dar ordem de interromper as tentativas, que seriam retomadas no dia
seguinte, quando apareceu um cavalheiro vestindo uma armadura de bronze
reluzente, montado num magnífico alazão arreado de bronze. Sem hesitar,
aproximou-se da parede e começou a subir. Chegou até um terço da montanha e
parou. A princesa olhou para ele, gostou do que viu e desejou que viesse até
ela. Lançou-lhe uma maçã de ouro. Ele a pegou, mas fez seu cavalo dar
meia-volta e foi embora, galopando tão rápido que ninguém pôde segurá-lo.
Os
irmãos de Askeladden chegaram em casa excitadíssimos, falando daquele
cavalheiro desconhecido.
- Bem
que eu queria ver este cavaleiro.
-
Pode esquecer! Fique aí na sua lareira. Nós é que vamos amanhã.
Os
cavaleiros tinham trocado as ferraduras de seus cavalos e recomeçaram as suas
tentativas. Em vão. Então chegou um cavalheiro vestido com uma armadura de
prata rutilante, montado num magnífico baio arreado de prata. Sem hesitar,
começou a subir a parede lisa e chegou até dois terços da montanha. A princesa
lhe jogou outra maçã de ouro. Ele a pegou... e foi embora, galopando
como o vento.
No
dia seguinte, todos esperavam a chegada do cavalheiro de prata. Mas chegou um
cavalheiro vestido com uma armadura de ouro resplandecente que brilhava como o
sol, montado num majestoso cavalo preto arreado de ouro. Todos o acompanharam
com o olhar. Viram-no alcançar o topo da montanha, pegar a terceira maçã de
ouro, sentar a princesa radiante na sua frente e dar-lhe um beijo. O rei esperava
ansioso para descobrir quem era o pretendente vitorioso. Mas o cavalheiro
apenas entregou a princesa ao seu pai e foi embora, galopando mais rápido que o
vento.
O rei
mandou convocar o homem que possuía a terceira maçã de ouro ao palácio. Ninguém
se apresentou.
Ordenou
então que todos os homens do reino se apresentassem diante dele. Os irmãos de
Askeladden foram os últimos a chegar. Disse o rei:
-
Deve haver mais alguém! Nós vimos um cavalheiro pegar a maçã de ouro!
-
Majestade, temos mais um irmão em casa, mas com certeza não é ele.
- Que
venha aqui!
Quando
Askeladden chegou, vestindo seu casaco sujo de cinzas, o rei lhe perguntou:
-
Está com a terceira maçã de ouro?
-
Aqui está.
Askeladden
tirou do bolso todas as três maçãs. E o casaco caiu por terra, revelando o
cavalheiro resplandecente na sua armadura de ouro.
O
casamento de Askeladden com a princesa foi celebrado no mesmo dia. Todos foram
convidados.
E foi uma bela festa porque
não precisa saber subir numa montanha de cristal para saber comer, beber,
divertir-se e festejar!
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