sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Fio Mágico - Setembro


O Fio Mágico

conto francês





                                

Era uma vez num vilarejo um menino chamado Pierre. Tinha perdido o pai e, como homem da casa, ajudava muito sua mãe: limpava a casa, fazia compras, cuidava do jardim, cortava lenha. Pierre não gostava da escola. Preferia sonhar acordado. As aulas de história, particularmente, eram um tédio porque ele pensava muito mais no futuro do que no passado e gostava de imaginar o que faria mais tarde, quando seria adulto.
“Como é difícil esperar”, pensava Pierre. Patinando no lago gelado ele lamentava: “Poderia tanto ser verão !” E quando chegava o verão, ele ansiava pelo outono para poder soltar sua pipa. No outono só lembrava da beleza da primavera quando se abriam as flores e nasciam as folhas nos galhos. Mas assim que a primavera chegava, ele já imaginava as manhãs frias do inverno, suas noites misteriosas e geladas. Quando sentava no banco da escola de manhã ele desejava que fosse de tarde. E no domingo de noite, deitado na sua cama, suspirava: “Ah ! se as férias pudessem começar já !”
Pierre, que adorava inventar brincadeiras, tinha muitos amigos. Mas sua grande paixão morava na casa ao lado e se chamava Lisa. Ela corria tão rápido quanto um menino e nunca ficava brava com ele, mesmo quando ele ficava impaciente com ela. Muitas vezes, quando ela vinha buscá-lo, ele pensava: “Ah ! queria ser gente grande para casar com a Lisa...”
Num dia ensolarado de férias, Pierre foi passear na floresta. Deitou numa clareira e adormeceu ao calor do sol. Uma voz chamando seu nome o despertou. Viu uma velha senhora que não conhecia – e Pierre conhecia todos os habitantes do vilarejo. Ela era estranha, vestia roupas esquisitas, mas sorriu para ele e disse gentilmente:
– É verdade que o momento presente nunca é o momento certo para você ? Pois fique contente: tenho aqui algo que pode ajudar, se você quiser. Olhe ! – Na mão dela estava uma pequena bola prateada com um buraquinho do qual saía a ponta de um delicado fio de ouro.
– Vou contar um segredo: esta bola é mágica ! Está vendo este fio ? É o fio do tempo. É só puxar que o tempo passa rapidinho. Você quer?
Pierre ficou encantado. Será verdade ? Tédio, medo, tristeza, tudo poderia ser apagado num instante com a pequena bola ?!
– Oh sim ! Me dá ! Eu quero a bola mágica, por favor !
– Tudo bem. Mas antes vou lhe dar um conselho:  lembre-se que nunca poderá reaver o tempo passado. Desaparecerá como fumaça. É melhor não puxar o fio com muita freqüência nem com muita força. Se quiser que o tempo passe devagar, como passa para todo mundo, apenas não toque no fio. E não pode contar da bola para ninguém senão, naquele dia, você morrerá.
E Pierre pegou a bola prateada. Quando olhou, a velha tinha desaparecido. Ele teve vontade de puxar o fio só um pouquinho, só para ver, mas ficou com medo e não quis se arriscar.
Mas, no dia seguinte, quando o professor brigou com ele porque não estava prestando atenção durante a aula, Pierre não resistiu e puxou o fio com muito cuidado. Na mesma hora a aula acabou. Encantado com o resultado ele caiu na tentação de puxar o fio sempre mais. Começou para ele uma vida ótima, feita de feriados e férias. Infelizmente ele aprendia muito pouco, porque mal frequentava a escola, mas ele não estava nem aí. “Se fosse gente grande poderia trabalhar, casar com Lisa e não precisaria puxar o fio tanto.” Assim ele resolveu deixar a infância e puxou um grande pedaço de fio.
Na manhã seguinte ele já era aprendiz de carpinteiro. A vida ficou maravilhosa. Ele gostava de seu trabalho.  Quando o dia do pagamento demorava a chegar ele puxava o fio até receber seu salário. Terminado seu aprendizagem ele ganhava bastante para pedir Lisa em casamento. Ela aceitou com muita alegria e marcaram o casamento para daqui a algumas semanas. Alguns dias antes do casamento ele recebeu uma convocação. Chamavam-no para servir durante dois anos no exército.
Pierre gostou do exército: fez amigos e, lembrando das recomendações da velha, tentou não puxar o fio. Mas logo a vida de soldado ficou chata. Cada dia ele puxava o fio mais um pouquinho, até poder voltar para casa.
Começou então o fase mais feliz, mais perfeita da sua vida. O casamento foi um dia alegre para todos e Pierre mal podia esperar a hora de levar Lisa até a casinha que ele tinha construído com as próprias mãos. Durante o banquete ele notou que os cabelos de sua mãe já estavam brancos. “Puxei demais o fio !” pensou arrependido e decidiu tocar nele o menos possível.
Semanas tranquilas passaram. Lisa ficou grávida. Impaciente, Pierre puxou o fio para apressar o nascimento de seu filho. Mas Pierre não podia suportar vê-lo doente ou chateado e puxava o fio toda hora. Começou a ter problemas de trabalho, faltava dinheiro em casa. Ele pensou: “minha bola mágica é útil exatamente para este tipo de situação. Preciso aproveitar.” Quando os dias calmos voltaram, Pierre parou de puxar o fio.
Um dia ele notou com surpresa que o fio não era mais dourado, mas prateado. E se deu conta de que o fio não duraria para sempre. Estava feliz com a Lisa. Outros filhos nasceram, trazendo mais alegria, mas exigindo cuidados, roupas, comida. Uma noite, Pierre começou a pensar: “Se nossos filhos fossem crescidos, com uma profissão séria, a vida seria mais agradável.” E ele puxou o fio até todos eles terem ficado independentes e saído de casa. Todas estas experiências não tinham ensinado Pierre a ser paciente. Qualquer aborrecimento era motivo para puxar o fio. A vida passou sempre mais rápida, mas nunca voltou a ser perfeita. O trabalho começou a cansar Pierre demais. Ele já não conseguia subir nos andaimes, demorava mais para entregar as encomendas. Chamou seu filho mais velho, a quem tinha ensinado o trabalho de marceneiro, e lhe disse que estava se aposentando. Já era avô e achava graça quando o neto mais novo lhe dizia:
– Quero ser grande e ir para a escola com meus irmãos. – Ou: – Se fosse gente grande, eu poderia construir casas como você !
Nas noites de verão, Pierre sentava na varanda da sua casa e fumava o cachimbo olhando para os campos. Já não sonhava mais com o futuro porque sabia que sua vida estava acabando e tinha medo. Como todos os velhos, tentava buscar refúgio no passado. Mas, pobre Pierre, ele não tinha muitas lembranças. Sua vida tinha passado tão depressa, os prazeres tinham sido tantos, um tão logo atrás do outro, que era difícil lembrar direito. Ele não podia dizer, como os outros idosos: “Posso me orgulhar de ter superado este momento difícil.” Ou: “Não lamento meus sofrimentos porque me ensinaram muito.”
E, um dia, notou apavorado que o fio tinha ficado cinza. Olhou para sua mulher e a viu cansada e curvada. No espelho viu um rosto cheio de rugas, seus poucos cabelos eram brancos. Sentiu necessidade de passear na floresta, respirar o ar puro. Caminhou até uma clareira onde sentou e adormeceu. De repente, ouviu uma voz chamando seu nome. Esfregou os olhos e viu a mesma velha, nem mais idosa, nem mais nova.
– Então, Pierre ? Como vai ? Me conta: sua vida foi feliz ?
– Na verdade –, disse Pierre, – não sei. Sua bola mágica é maravilhosa. Nunca tive de esperar ou sofrer na minha vida, mas passou tudo tão rápido que mal percebi. Era tão impaciente... queria que tudo fosse sempre melhor e agora estou aqui, velho e fraco. Não puxo mais o fio para poder viver em paz os últimos anos de minha vida. Imagino que não posso me queixar, mas seu presente não me trouxe a felicidade com a qual sonhava.
– Como é possível ? – disse a velha, – você não é muito agradecido. Diga-me, já que você é tão esperto, no meu lugar você teria feito melhor ?
– Você deveria ter me dado um outro tipo de bola –, sugeriu Pierre, – na qual se pode colocar o fio de volta. Assim poderia ter aprendido com meus erros e a vida não teria passado tão depressa.
– Infelizmente isto é impossível. Deus não permite. Mas vou realizar um desejo seu, homem mimado. Pense no que você mais quer no mundo.
Pierre pensou profundamente: – Desejaria recomeçar minha vida, mas sem sua bola mágica desta vez.  Quero viver como os outros homens. Se tiver alegria, que bom. Se sofrer, que assim seja.
A velha sorriu : – Seu desejo será realizado. Se é isto que você realmente quer, devolva-me a bola mágica.
Assim que Pierre o fez, caiu num sono profundo. Quando acordou, ficou muito surpreso em ver que estava de volta na casa da sua infância, no seu quarto de menino. Sua mãe, sentada na beira da cama, era jovem de novo. Sorriu para ele e disse:
– Finalmente acordou !
– Onde estou ? – perguntou Pierre espantado.
– Na sua cama, claro, menino levado. Você ficou tanto tempo no sol que pegou uma insolação e teve muita febre. Teve pesadelos terríveis. Ficava falando de uma bola mágica e de um fio de ouro. Não entendia nada. Que bom que você está fora de perigo agora.
Pierre abraçou a mãe. – Então Lisa e eu não somos velhos ?
– Você está delirando de novo –, disse a mãe preocupada. – Lisa está ali na sala, esperando para ver você.
E chamou: – Lisa ! Vem ver o Pierre !
A menina entrou, enxugando escondido uma lágrima.
– Lisa ! – gritou Pierre, – sarei ! Amanhã irei para a escola e um dia nós dois vamos casar. Mas agora vamos brincar !
Quando pulou da cama, notou que um pedacinho de fio de ouro tinha ficado preso na sua roupa.

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