terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A PRINCESA E A SERPENTE

Bordado por: Neuza Oli Veira

Conto russo - Recontado por Tatiana Belinky - Livro: Ielena, a sábia dos sortilégios e outras histórias do povo russo.

Um dia, há muito tempo, um alegre cossaco cavalgava através de uma floresta escura, quando  extraviou e, perdido, andou errante dois dias e duas noites, até que, no terceiro dia, deu com um feixe de feno no meio de pequena clareira. Cansado como estava, apeou do cavalo, deitou-se ao lado do feixe e acendeu o cachimbo. Logo depois, já refeito da fadiga, tornou a montar e retomou a procura do caminho de volta para casa. Mas só se afetou um pouco, quando o vento lhe trouxe um cheiro de fumaça. Ele olhou pra trás e viu que o seu cachimbo tocara fogo no feno - e, rodeada pelas chamas, estava uma linda donzela, acuada, sem poder escapar daquele círculo infernal.
A pobre moça agitava os braços, aflita, e gritava, chorando e pedindo socorro.
- Ajuda-me, bravo cossaco, salva-me desta morte terrível!
O cossaco não sabia como chegar a ela, mas a donzela gritou:
- Tua lança é comprida estende-me a lança, eu me agarro nela e só terás de puxá-la.
Mas que depressa, ele estende-lhe a lança – mas, no instante em que a puxou, a formosa donzela transformou-se numa serpente sinuosa, que deslizou pela lança e num bote certeiro se  enroscou no pescoço do rapaz.
O cossaco tentou arrancar a cobra da sua garganta, mas não conseguiu, pois suas forças o abandonaram, e pensou que seu fim já chegara, quando de repente a cobra falou com voz humana:
- Não tenhas medo, guapo cossaco, não te farei mal algum. Mas terás de me carregar, enrolada no pescoço, durante sete anos e sete dias. E durante esse tempo todo, terás de correr mundo comigo, à procura de um certo palácio de cobre.
- Mas como poderei encontra-lo – perguntou aflito o cossaco.
- Perguntarás a todos os ventos, às tempestades de inverno, às lufadas de outono, às brisas do verão, aos zéfiros da primavera...
E o cossaco, cativo da serpente, partiu em busca do palácio de cobre, por meses e anos, interrogando todos os ventos, em longa e difícil peregrinação. Até que finalmente terminaram os setes anos e ele chegou ao sopé de alta montanha, em cujo cume reluzia esplendoroso palácio fortificado, todo de cobre vermelho, rodeado por alto muro branco.
Animado, o cossaco esporeou o cavalo e subiu a íngreme encosta, até atingir o cume, onde parou diante do muro, que não tinha portão. Mas de repente o muro se abriu sozinho, deixando-o entrar, com o seu estranho colar, e fechou-se em seguida atrás dele. E assim que o cossaco se viu no pátio da fortaleza, a cobra enroscada no seu pescoço se soltou e, caindo ao chão, transformou-se de volta na bela moça que ele salvara do fogo. Ela o levou a um aposento luxuoso, digno de um rei, e lhe disse:
- Eu sou a filha de um poderoso czar e fui vitima do feitiço de um perverso dragão. Tu, cossaco, me serviste fielmente durante sete anos, e agora só te restam sete dias de provação. Durante estes até que se cumpra o prazo do feitiço, quando ambos ficaremos livres, apenas te peço que não tentes sair antes do tempo nem te aventures além do umbral deste aposento. Se me amas, cumpre minhas ordens, como até agora, e quando se romper o encantamento, dentro de sete dias eu voltarei e ficarei contigo.
A princesa bateu no chão com seu mimoso pezinho e, transformada em serpente, deslizou silenciosamente para fora do aposento.
Sozinho, o cossaco olhou em volta e murmurou consigo: “E agora? Estou cercado de espelhos, tapeçarias e almofadas, mas não vejo sinal de comida. Em sete dias, morrerei de fome.” E mal ele disse isso, eis que apareceu uma barrica de cobre, rolou pela sua direita e logo surgiu na frente uma mesa com um banquete magnífico com pratos requintados e vinhos deliciosos. O cossaco comeu e bebeu até se fartar, e quando suspirou: “não aguento comer nem beber mais nada”, a mesa desapareceu como tinha aparecido. E o cossaco pensou:  “Deste jeito posso ficar aqui o resto da vida.” E durante seis dias, ele viveu naquele rico aposento à tripa forra. Mas, no sétimo dia, ficou impaciente e pensou: “Que mal fará se eu levar este barrilzinho de cobre, para nunca mais ter de pensar no que comerei amanhã.
E quando, na hora do almoço, o barrilzinho apareceu, o cossaco quis apanhá-lo, mas ele escapou e rolou para o aposento contíguo, aquele do umbral proibido. O cossaco correu atrás dele e o apanhou, já dentro daquele aposento. No mesmo instante ouviu-se um estrondo terrível, a montanha tremeu, o palácio de cobre desapareceu e o cossaco viu-se de repente do lado de fora, ao lado do seu cavalo e com a barrica mágica nos braços. Mas cima da sua cabeça, invisível para ele, pairava no ar o dragão, segurando entre as garras a pobre princesa-serpente.
Então, arrependido por ter desobedecido à princesa e angustiado com medo de perdê-la, o cossaco jurou procura-la por todos os reinos da terra e libertá-la do poder maligno do dragão. E ele montou no seu fiel cavalo e pôs-se a caminho, sem saber para onde.
Viajou e viajou, dia e noite durante muito tempo, até que, atravessando um bosque, encontrou-se com um estranho ancião de longa barba branca, que lhe dirigiu a palavra:
- Salve e saúde, bravo cossaco! Queres oferecer-me jantar e vinho?
O cossaco não se fez de rogado: rolou o barrilzinho de cobre e logo apareceu uma mesa carregada de iguarias e bebidas. O velho se regalou à vontade e depois perguntou ao cossaco para onde ele ia.
- Vou em busca da princesa-serpente – respondeu o rapaz. Será que tu sabes avozinho, onde ela se encontra?
- Sei, sei, meu filho. Mas não adianta nada que tu saibas onde ela está, pois jamais poderás encontra-la.
- Conta-me mesmo assim e eu te darei minha barrica mágica e te lembrarei nas minhas orações, pediu o cossaco.
- Aceito a tua oferta, disse o velho. Mas para encontrar a princesa-serpente, terás de procurar a bruxa Baba-Iaga, irmã do dragão, que todas as noites vai visita-0lo, voando no seu pilão, rápida como uma bala. Se conseguires segui-la, conseguirás o que buscas. E como foste generoso comigo, vou dar-te de presente esta espada mágica, da qual não preciso mais. Ela é poderosa, invencível e obedece a qualquer ordem, por estranha que pareça, mesmo que seja derrubar uma floresta.
O cossaco despediu-se do velho e partiu em busca da Baba-Iaga. De repente, atravessou-se em seu caminho um urso enorme. O cossaco puxou a espada para cravá-la no coração da fera, quando o urso falou com voz humana:
- Não me mates, valente cossaco, posso ser-te útil algum dia.
O cossaco compadecido embainhou a espada e seguiu em frente. E no dia seguinte, ao chegar à margem de um rio, viu na água cristalina um grande peixe. Quis vará-lo com a espada, mas o peixe falou com voz humana:
- Não me mates, valente cossaco, posso ser-te útil algum dia!
E o cossaco embainhou a espada e seguiu em frente. No dia seguinte, estava com fome e quando viu voar sobre a sua cabeça um grande falcão, quis abatê-lo com a espada, mas o falcão falou com voz humana:
- Não me mates, valente cossaco, posso ser-te útil algum dia!
E o cossaco embainhou a espada e seguiu em frente. Viajou e viajou, até que certa noite, sob a luz do luar, viu surgir, encarapitada num grande pilão e voando mais rápido que o vento, a feia bruxa Baba-Iaga, a caminho do covil do dragão. E o cossaco esporeou o seu cavalo.
- Segue-a meu bravo corcel! O pilão da bruxa voa ligeiro, mas o corcel do cossaco corre mais!
E o valente corcel galopou no encalço da bruxa, sem deixa-la adiantar-se e fugir. Até que chegaram à beira do mar azul, onde o cavalo teve de parar, enquanto a Baba-Iaga, arreganhando o seu único dente, zombava dele porque o seu pilão podia voar por cima das ondas e ele não.
Mas nesse instante, surgiu das ondas o peixe enorme e perguntou:
- Em que posso servir-te, amigo cossaco?
- Quero atravessar o mar e não perder o rastro daquela bruxa que viaja num pilão – retrucou o cossaco.
E o peixe então deu uma formidável espadanada com a sua cauda descomunal, no ato surgiu uma faiscante ponte por cima do mar. O corcel do cossaco atravessou-a num piscar de olhos, até o outro lado do mar, e a ponte desapareceu em seguida. De novo o cossaco alcançou a Baba-Iaga e a seguiu, sem perdê-la de vista, até que chegaram ao pé da um penhasco escarpado, que cavalo algum poderia escalar. A bruxa riu novamente, arreganhando o seu único dente, zombando do cossaco e do seu cavalo.
Mas eis que naquele instante baixou das alturas um imenso falcão:
- Em que posso servir-te, valente cossaco?
O cossaco disse que precisava seguir o rastro da bruxa. Então o falcão abriu as asas imensas e carregou o cossaco, com o seu cavalo, até o alto do rochedo. E de novo o cossaco e o seu cavalo emparelharam com a Baba-Iaga, seguindo-a sem perdê-la de vista. Mas só que chegaram à beira de uma floresta tão cerrada que nem um mosquito poderia vara-la.
E a bruxa tornou a zombar do cossaco, arreganhando o seu único dente, porque eles não poderiam alcança-la dessa vez. Foi quando o cossaco se lembrou da espada mágica e do que o velho lhe dissera, que ela obedecia a qualquer ordem, e gritou:
- Abre-me um caminho, espada!
E num ápice, a espada começou a derrubar as arvores da floresta, abrindo uma verdadeira estrada. Mas as arvores derrubadas caiam sobre a estrada e obstruíram inteiramente o caminho, empilhadas quase até as nuvens.
O cossaco ficou preocupado – “e agora?”. Mas nesse momento surgiu na sua frente um urso enorme como uma montanha e perguntou:
- Em que posso servir-te, valente cossaco?
O cossaco respondeu, como das outras vezes, que precisava alcançar a Baba-Iaga. E, em poucos instantes, o urso removeu todas as árvores derrubadas, abrindo um largo caminho para o cossaco e o seu cavalo. Então lhe disse:
- Bravo amigo cossaco, teus pés estão agora no limiar do reino do dragão. Todo aquele que penetra em seus domínios cai logo num sono profundo, um sono que nunca acaba. Se conseguires vencer esse sono, terás alcançado a tua meta e conquistarás a princesa-serpente.
O cossaco agradeceu ao urso e seguiu em frente. E assim que penetrou no reino do dragão, sentiu as pálpebras pesadas e percebeu que ia adormecer. Antes que isso acontecesse, ele tirou do bolso, rápido, sua caixinha de rapé, aspirou fundo e no ato começou a espirrar, um espirro mais forte que o outro, um atrás do outro, e os espirros foram tantos que espantaram aquela sonolência, tanto dele como do seu cavalo. E ele gritou bem alto:
- Ouve bem, dragão maldito, eu não estou com sono e quero  brigar! Os teus feitiços podem enfeitiçar princesas, mas não podem com um cossaco da Stan Rússia!
Com a ajuda da espada mágica, que lhe abria o caminho, ele foi entrando no covil do dragão, onde logo viu a linda princesa sentada sobre uma pedra, com a cabeça do monstro repousando no seu colo e lágrimas copiosas escorrendo dos seus lindos olhos.
- Quem ousa invadir meu reduto? – urrou o dragão. Quem se atreve a desafiar-me nos meus próprios domínios? Chegou o teu fim, cossaco atrevido!
E o dragão investiu contra o cossaco, que apenas teve tempo de gritar:
- Espeta esse monstro, espada! E a espada saltou da bainha e num ápice matou o dragão com uma única estocada.
Então o cossaco quis resgatar a donzela, mas, surpreso, viu que ela desaparecera e no seu lugar lá estava à serpente, enrodilhada na pedra.
E o cossaco exclamou triste e desapontado:
- Eu cruzei o mar azul, venci rochedos e varei florestas, matei o dragão que te mantinha cativa, e tu ainda és uma serpente!
E a cobra respondeu:
- O feitiço que me tem cativa só se romperá quando eu me banhar nas águas da fonte da vida.
- E onde encontrarei essa fonte? Perguntou o cossaco, aflito.
- Pergunta a Baba-Iaga, só ela sabe onde fica essa fonte.
O cossaco olhou em volta e viu a bruxa acocorada atrás de uma pedra. Então ele puxou a espada e ameaçou:
- Leva-me já à fonte da vida, bruxa maldita, se queres ainda viver!
E a bruxa, atemorizada, respondeu:
- Ouço e obedeço! Segue-me, valente cossaco.
A serpente enroscou-se no pescoço do cossaco, que montou no seu cavalo e seguiu a bruxa, que voava baixo no seu pilão. Logo alcançaram uma clareira num bosque, onde murmurava uma fonte cristalina que a bruxa indicou, dizendo:
- Esta é a fonte da vida.
Mas o cossaco, desconfiado, não a deixou ir embora e atirou na fonte um galho seco, que imediatamente se transformou em cinza. E o cossaco gritou para a bruxa:
- Quiseste engana-me maldita! Vais morrer por isso!
E puxou a espada, enquanto a Baba-Iaga guinchava, apavorada:
- Não me mates, vou mostrar-te a verdadeira fonte da vida!
Mostrou-lhe outra clareira, com uma fonte murmurante, e fez menção de fugir. Mas o cossaco não deixou que fugisse e fez antes outra prova: jogou outro galho seco na fonte, e o galho virou pó.
Indignado, o cossaco levantou a espada, disposta a matar a feiticeira, que implorou, apavorada e trêmula:
- Não me mates, cossaco, desta vez juro mostrar-te a autêntica fonte da vida!
-É bom que esteja dizendo a verdade, bruxa! Porque não te perdoarei pela terceira vez!
E dessa vez a bruxa conduziu-o a um bosque escuro, onde brotava por entre pedras uma clara nascente. Sempre conservando a Baba-Iaga na mira da sua espada, o cossaco fez novamente o teste do ramo seco. Quando o molhou na água da fonte, o ramo seco cobriu-se de folhas verdes, de lindas flores viçosas e frutos dourados. Então o cossaco libertou a bruxa e ela sumiu numa nuvem de fumaça.
O cossaco banhou a serpente enrolada no seu pescoço na água daquela fonte, ele se soltou da sua garganta e se transformou na bela princesa, com coroa e tudo.
A princesa segurou as mãos do cossaco nas suas brancas mãozinhas e disse, numa voz suave como música:
- Tu te redimiste da tua falta e me resgataste do feitiço  do dragão. Se me amas como eu te amo, te casarás comigo.
E ambos montaram no veloz corcel do cossaco e galoparam para o reino do czar, pai da princesa, onde foram recebidos com festas e fanfarras. No mesmo dia foi celebrado o casamento da princesa com o valente cossaco. E eles viveram felizes por muitos e muitos anos.


Livro: Ielena, a sábia dos sortilégios e outras histórias do povo russo. Autora: contos recontados por Tatiana Belinky, Editora Ática.

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