Bordado por: Rosângela Gualberto
Rodeado de toda a corte e de
enorme multidão de povo do mar, veio o Príncipe do Reino das Águas Claras
receber Narizinho. Assim que ela apeou do coche, todos bateram palmas, deram
vivas e soltaram peixes fosforescentes, que eram os foguetes lá deles. O
Príncipe abraçou a sua noiva, nada podendo dizer de tanta comoção que sentia.
Narizinho e Emília foram escolher
figurinos em casa de Dona Aranha Costureira. Depois passaram a escolher
fazendas. Dona Aranha tirou dos seus armários de madrepérola um vestido cor do
mar com todos os seus peixinhos; e com o maior pouco-caso, como se fosse de
alguma casinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.
- Que maravilha das maravilhas! –
exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que
teve de sentar para não cair.
Era um vestido que não lembrava
nenhum outro. Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor – e cor do mar! Em
vez de enfeites conhecidos era enfeitado com peixinhos do mar. De todos os
peixinhos – os vermelhos, os azuis, os dourados, os de escama furta-cor, os
compridinhos, os roliços como bolas, os achatados, os de cauda bicudinha, os de
olhos que parecem pedras preciosas, os de longos fios de barba movediços –
todos, todos!... Foi ali que narizinho viu como eram infinitamente variadas a
forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam ideia de verdadeiras joias
vivas, como se feitos por um ourives que não tivesse o menor dó de gastar os
mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas da
sua coleção. E esses peixinhos-joias não estavam pregados no tecido, como os
enfeites e aplicações que se usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do
mar como se nadassem n’água. De modo que o vestido variava sempre e variava tão
lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina apertou e ela pôs-se a chorar.
- É a vertigem da beleza! –
exclamou Dona Aranha sorridente.
- Mas quem é que fabrica esta
fazenda, Dona Aranha? – perguntou Emília, apalpando o tecido.
- Este tecido é feito pela fada
Miragem – respondeu a costureira.
- E como a senhora o corta?
- Com a tesoura da imaginação.
- E com que agulha o cose?
- Com a agulha da Fantasia.
- E com que linha?
- Com a linha do Sonho.
Pedrinho, ansioso por saber o que
estava se passando, trepou a uma das janelas para espiar dentro do palácio. E
viu tudo. Viu Narizinho deslumbrante no seu vestido cor do mar com todos os
seus peixinhos. Na cabeça trazia um diadema feito das mais raras pérolas dos
sete mares, e na mão um cetro de nácar todo esculpido. Ao lado dela caminhava o
Príncipe no seu maravilhoso manto de rei, feito das mais raras escamas. Atrás
vinha Emília, de vestido de cauda, braço dado a um soleníssimo
Bernardo-Eremita. Este senhor trazia nas mãos uma salva de escamas onde
repousava a coroa com que o Príncipe ia ser coroado.
Chegados aos primeiros degraus do
trono, os reais noivos principiaram a subir passo a passo, ao som das mais
belas músicas que se possam imaginar. Eram cantos de sereias vindas de todos os
pontos do oceano. Enquanto caminhavam, uma chuva de pérolas em pó caía sobre
eles. Subiram ao trono. Sentaram-se. O venerando Bernardo-Eremita pronunciou as
palavras sacramentais e os casou bem casadinhos.
Monteiro Lobato. Reinações de Narizinho.
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