sábado, 6 de dezembro de 2014

O Alfaiate Desatento - um conto árabe

Bordado por: Vaní Luiza Cipriano
vanicipriano@gmail.com
55 31 3226-8207
Desenho: Demóstenes Vargas


Era uma vez, a menos de mil quilômetros daqui, um alfaiate viúvo que vivia com a filha pequena. Apesar de ser um ótimo artesão, era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Assim, costumava sair à rua com a mesma roupa velha, toda esfarrapada, que usava o dia inteiro dentro de casa.
         As pessoas comentavam: "Um homem que anda tão mal vestido, não pode ser um profissional competente. Esse alfaiate não deve ser bom".
         Os comentários se espalhavam, e ninguém mais encomendava roupas para o alfaiate, que foi ficando pobre. Um dia sua filha disse: "Pai, não temos quase nada para comer. O senhor precisa fazer alguma coisa, senão vamos morrer de fome".
         O alfaiate foi até o sótão da casa, onde há muito tempo guardava coisas que considerava sem utilidade. Ao remexer nas pilhas empoeiradas descobriu que entre elas havia objetos de valor. Ele nem se lembrava mais quando os tinha posto ali, nem por quê. Juntou uma porção desses objetos num carrinho e foi vendê-los no mercado da cidade. Com o dinheiro que recebeu, comprou comidas deliciosas para ele e para a sua filha.
         No caminho de volta para casa viu, pendurado na porta de uma tenda, um tecido magnífico, como nunca tinha visto. Era inteiro bordado com fios de todas as cores do arco-íris, formando várias figuras distintas. Nele também havia padrões ornamentais com fios de ouro e prata entrelaçados que brilhavam à luz do sol. O alfaiate, maravilhado, resolveu comprar aquele tecido com o dinheiro que havia sobrado.
         Assim que chegou em casa, esticou o tecido sobre a mesa, pensou um pouco, e depois cortou e costurou um belíssimo manto que quase arrastava no chão.
         Quando saiu à rua com aquele manto, as pessoas o rodearam e perguntaram:
         - Onde foi que você comprou este manto? No Oriente, na ilha de Java?
         - Não - respondeu o alfaiate. - Eu mesmo o fiz.
         - Então, nós também queremos um manto lindo como este.
         E foram levar tecidos para ele, formando uma fila à porta de sua casa.         Eram tantas pessoas, e tantos mantos ele fez, que acabou ficando rico.
         Mas ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Ele não tirava seu manto: costurava com ele, fazia comida, cuidava do jardim.
         Passou-se muito, muito tempo. O manto ficou velho e estragado. As pessoas, vendo-o tão mal vestido na rua, começaram a achar que ele não devia ser um bom profissional. E deixaram de fazer encomendas. E ele ficou pobre outra vez.
         Certo dia, não tendo nada para fazer, o alfaiate ficou observando o manto e descobriu que ainda havia um pedaço de tecido que não estava estragado. Pôs o manto sobre a mesa, cortou as partes rasgadas, desmanchou as costuras, pensou um pouco e fez um lindo casaco, com uma gola enorme.
         Quando saiu com o casaco, as pessoas queriam saber:
         - Onde foi que você comprou este casaco? Na Austrália, no pólo norte?
         - Não, eu mesmo o fiz.
         E foram tantas encomendas de casacos, que o alfaiate ficou rico outra vez.
         Mas continuava sendo aquele homem que não prestava atenção em algumas coisas. A qualquer tipo de comemoração - casamento, batizado, enterro, festa de aniversário - lá  ia ele com o casaco.
         Passou-se muito, muito tempo. E o casaco ficou todo esburacado, cheio de manchas. Ninguém mais fazia encomendas. Ele ficou pobre.
         Percebendo que o casaco ainda tinha um pedaço bom de tecido, o alfaiate o desmanchou e fez um colete tão lindo que todos na rua lhe perguntavam:
         - Onde foi que você comprou este colete? No Afeganistão? Na Terra do Fogo?
         - Não, eu mesmo o fiz.
          E com tantas encomendas de coletes, o alfaiate ficou rico, Mas, não sei se já lhes contei, ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Não tirava o colete para nada, nem mesmo para tomar banho.
         Passou-se muito, muito tempo. E o colete ficou em petição de miséria. Pobre mais uma vez, o alfaiate aproveitou o pequeno pedaço de tecido do colete que ainda estava perfeito e sabem o que ele fez? Uma gravata-borboleta. Mas não era uma gravata qualquer. Era tão linda e brilhava tanto, que todos queriam gravatas como aquela.
         Depois de muito trabalhar, ele acabou ficando rico. Mas não deixava de ser aquela pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Nem para dormir ele tirava a gravata.
         Passou-se muito, muito tempo. E a gravata ficou torta, ensebada, irreconhecível. O alfaiate ficou pobre outra vez, já que ninguém mais lhe fez encomendas.
         O alfaiate ainda descobriu na gravata um pedacinho de tecido que podia servir para alguma coisa. E então fez um superultrabelíssimo botão, bem redondo, que costurou na sua roupa velha, no meio de peito. Ninguém notava os farrapos que ele vestia; o botão era tão brilhante e magnífico que todos queriam botões como aquele.
         E tantos ele fez, que ficou rico.
         Mas continuava sendo aquela pessoa que não prestava atenção em algumas coisas.
       Por muito muito tempo.
         E ele ficou pobre.
         Desmanchou o botão e ainda sobrou um pedacinho de tecido bem pequenininho, que conservava intactos alguns padrões de fios dourados e prateados, entremeados com todas as cores do arco-íris, que brilhavam intensamente.
         O que o alfaiate fez com aquele pedaço minúsculo que sobrou do magnífico tecido?

         Pois o contador de histórias que narrou este conto para mim disse que cada um de nós é que tinha que inventar no que o alfaiate transformou aquele paninho precioso, porque esta é uma história que continua com cada um.
         Existem muitas formas de contar a história desse alfaiate. É por causa dele e do seu botão que este conto sempre foi lembrado e continuará sendo contado para sempre, noite e dia, em qualquer lugar do mundo onde haja gente.
         Porque sempre vão existir pessoas que não prestam atenção em algumas coisas.
         E sempre vão existir coisas que guardam seu brilho num lugar cada vez menor e mais profundo.


In: Regina Machado. “A Formiga Aurélia e Outros Jeitos de Ver o Mundo”.
Cia das Letrinhas, 2005.

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